Experiências

20 anos de aventuras

By setembro 18th, 20152 Comentários

Minhas primeiras fotos foram em papel. Não estão em álbuns do Facebook porque são da era pré-moderna. Naquela época eu escrevia cartas, tinha diários com recortes de jornal e o mais rápido que podia me comunicar com minha família quando estava fora do Brasil era por fax – só em datas importantes como aniversário, e olhe lá. Não adiantava remexer a caixa de correio todos os dias porque só chegava carta uma vez por semana. Às vezes várias ao mesmo tempo, como se a agência esperasse pra juntar algumas e entregar todas de uma só vez, pra dar menos trabalho. Tinha poucos amigos fazendo cursos no exterior, alguns “pen pal” e companheiros intercambistas espalhados por aí.

mailbox. Crédito: Creative Commons

Crédito: Creative Commons

Alegria mesmo era esperar acabar o rolo da máquina fotográfica e levá-lo pra revelar. No começo as fotos ficavam prontas em uma semana, depois de um dia pro outro e, depois, no mesmo instante. Quando trabalhei no exterior, dava pra pedir um duplicado de todas as fotos por alguns centavos a mais para, mais tarde, trocar entre os amigos, complementando nosso álbum com fotos de outros ângulos ou mandando-as de presente por carta. Era uma época muito interessante e muito criativa, tínhamos que prestar muita atenção pra tirar uma foto porque não havia segunda chance.

Rolos de fotos. Crédito: Creative Commons

Crédito: Creative Commons

Minha primeira mochila eu ganhei do meu primeiro namorado. Era de cordura, o material top da época, e eu comecei a usá-la indo acampar na Serra do Mar paranaense. Até que fui morar na Finlândia, descobri o mundo os badges pra costurar nela e comecei a colecionar bandeirinhas. Meus primeiros países depois dali foram a Suécia e a Estônia, por proximidade, e a França, porque eu tinha lido um livro sobre o Jim Morrisson, meu ídolo da época. Era um dos poucos livros em inglês da biblioteca da minha escola na pequena cidade finlandesa onde eu morava. E eu fiquei com vontade de visitar o cemitério Père Lachaise pra conhecer o famoso túmulo. Ainda continuo tendo motivações bem aleatórias para escolher um destino de viagem até hoje, e até me orgulho disso 😉

Túmulo do Jim Morrisson. Crédito: Creative Commons

Crédito: Creative Commons

A primeira viagem de aventura foi em 1998. Usei, naquela época, a técnica do boca a boca para conseguir encontrar pessoas que quisessem viajar à Bolivia e Peru nas férias de julho. Comentava com todo mundo até que uma amiga lembrou que um colega da faculdade tinha falado que queria ir, e me passou o seu telefone (fixo, já que não existiam celulares ainda). Liguei, me apresentei, ele disse que tinha interesse e que outro amigo seu também queria ir. Repeti a ação e marcamos de nos encontrar para nos conhecer e levantar as informações que tínhamos sobre o Caminho Inca. Éramos os 3 debruçados sobre um livro em uma mesa de shopping center, anotando todas as dicas sobre purificador de água, previsão do tempo, como multiplicar os glóbulos vermelhos para não sofrer com a altitude, etc. Como não tínhamos mais dados, seguimos à risca tudo o que o autor recomendava. Os bilhetes disponíveis para o Trem da Morte, entre Quijarro e Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, estavam esgotados mas entramos no trem mesmo assim e nos revezávamos entre os assentos livres e o chão. Em cada cidade íamos de hotel em hotel perguntando preços de quartos para 5 pessoas (já que mais 2 amigos se juntaram ao plano), tínhamos mapas da cidade pra decifrar e ali descobri que meu portunhol não me servia de nada. Essa era pré-moderna era fogo, e acho que por isso mesmo as conquistas tinham um sabor mais especial. Só o fato de poder simplesmente colocar as mochilas nas costas e sair caminhando pela trilha Inca, sem ter que reservar com meses de antecedência e pagar uma fortuna, como acontece hoje em dia, já fez todo o esforço valer a pena. Os tempos livres nós passávamos conversando, cantando e absorvendo tudo aquilo, sem a mínima interferência de celulares, computadores e afins.

aventuras Machu Picchu

Mas o progresso vai chegando e as coisas vão ficando mais fáceis. Trabalhei numa estação de esqui no ano 2000 que tinha um computador onde podíamos ver nossos poucos e-mails durante 10 minutos uma vez por semana. Essa época já existiam máquinas fotográficas com filmes especiais que permitiam fazer fotos panorâmicas! Tinha gente com câmera que dava pra filmar alguns segundos de um momento especial, mas se não tivesse um tripé e filme ISO 600 puxado pra 1200 na câmera Reflex, as fotos noturnas ficavam um desastre de tremidas – ou completamente escuras.

Old computers. Crédito: Creative Commons

Crédito: Creative Commons

Mais de uma vez marquei de encontrar uma pessoa em um lugar e fiquei horas esperando por ela, até desistir e ir embora, pra depois saber que a pessoa estava a metros dali me esperando também sem saber o que estava acontecendo. Algumas lojas tinham filiais bem próximas umas das outras e isso confundia até quem tinha a melhor das intenções. Antes colocávamos a culpa na falta de tecnologia, agora a culpa está na tecnologia em si: na falta de wifi, na mensagem que o servidor não enviou, na falta de cobertura.

Back to back. Crédito: Creative Commons

Crédito: Creative Commons

Nesses 20 anos viajar foi gradativamente ficando mais fácil: a informação passou de ser recompilada em guias em papel pra passar ao CD Rom e, mais adiante, ficar disponível online. Eu mesma realizei o meu sonho de trabalhar no Guia Quatro Rodas, da editora Abril, que acabou de deixar de existir em 2015. Os materiais das mochilas e roupas foram se aprimorando até ficarem mais leves e eficazes, mais baratos e com modelos a perder de vista. As linhas aéreas low cost encurtaram distâncias e puseram novas cidades no mapa do turismo.

Guia Brasil 2014. Crédito: Editora Abril

Hoje em dia nós mesmos produzimos informação a partir das nossas experiências e a disponibilizamos em meio de blogs, sites, e-books e uma infinidade de plataformas e meios. As pessoas viajam muito mais, com mais informação e com os hotéis reservados vários meses antes, via internet. Tiramos tantas fotos quanto a memória do smart phone permitir, várias delas iguaizinhas, e já não montamos álbuns em papel com todas, porque ninguém vai querer ver tudo, nem mesmo você, se duvidar. Mas eu gosto de olhar pra trás e ver toda essa evolução na caminhada até hoje e tem objetos que guardo com carinho daquela época. A minha mochila de bandeirinhas é uma delas. Hoje em dia prefiro usar mochilas menores, dependendo do estilo e do tempo da viagem, mas quando tenho que usar a grande, todo esse turbilhão de emoções passa pela minha cabeça. Ah se essa mochila falasse….

mochilasuz

Suzana

Suzana

Jornalista e travel blogger. Aprende o que o mundo ensina e inspira as pessoas a viajarem. Já morou na Finlândia, já trabalhou na Disney, fez o Caminho Inca e vai como peregrina a Santiago de Compostela frequentemente. Vive atualmente em Madri e continua transformando seus feriados e férias de 23 dias ao ano nos melhores períodos da sua vida.

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